Crédito: Anete Lusina/Pexels

O cenário portátil

Um ensinamento de Trungpa Rinpoche para ser levado a todos os lugares


Por
Edição: Cristiane Schardosim Martins
Tradução: Guilherme Erhardt

Quando você monta os cenários da sua vida em todas as suas relações, há uma radiância que cria esses cenários. O grande mestre tibetano, Chögyam Trungpa, nos aponta de forma direta como inverter nossa lente e ficarmos cara a cara com essa radiância. Texto traduzido pela equipe Bodisatva para benefício de toda a sanga.


 

Deveríamos discutir os vários tipos de panos de fundo que nos ajudam a operar as nossas vidas. Para nós, esses panos de fundo são vagos, incertos, duvidosos. Estou falando do tipo de pano de fundo que criamos mentalmente em cada situação — quando entramos no quarto de alguém, quando nos sentamos sozinhos, quando encontramos alguém. Este tipo de pano de fundo é parcialmente composto por um senso de espaço básico que carregamos conosco o tempo todo, e também é colorido pelo nosso humor específico do momento. É uma espécie de cenário portátil que carregamos conosco e que nos permite operar individualmente. Constantemente produzimos um espetáculo, uma cena teatral. Para cada situação, criamos o cenário adequado e a iluminação apropriada. Também temos os atores apropriados que aparecem no palco, principalmente nós mesmos. Realizamos o tempo todo esse tipo de peça, esse jogo teatral, e estamos usando constantemente nossas antenas, por assim dizer, para sentir o efeito que nosso cenário está causando.

Na meditação vipashyana, lidamos com esse tipo de pano de fundo, ou nosso teatro portátil. Quer seja um grande negócio ou um pequeno negócio, há sempre algum tipo de negócio acontecendo. Vipashyana trabalha com esse grande ou pequeno negócio, esse grandioso negócio, enorme negócio, pequeno, expansivo, ardiloso ou esperto — qualquer que seja a configuração que você tenha escolhido para estabelecer. Ao praticar vipashyana, em vez de ficar muito ocupado montando seu teatro, seu palco teatral, sua atitude se modifica e assim há um senso de questionamento sobre como produzimos esse pano de  fundo, por que produzimos, se devemos ou não produzir. Em algum sentido, isso ainda está no nível da investigação, mas, ao mesmo tempo, é experiencial.

Em vipashyana, você como um praticante experimenta o jogo que está jogando ao montar seu teatro. A partir disso, obtém uma nova maneira de lidar com todas as coisas sem que sejam um jogo. Isso é a prática da meditação sentada. Quando se senta, você não se senta para criar uma exibição ou um efeito em particular. É algo privado, em algum sentido. Na prática sentada, você se relaciona com a radiância que está criando. Antes de começar a sentar, essa radiância estava sendo criada puramente para impressionar ou influenciar a plateia. Neste caso, a situação é inversa. Você experimenta sua própria radiância cara a cara em vez de brincar com ela a fim de impressionar ou influenciar sua plateia. Você não tem plateia quando está sentado e medita, ou, você é sua própria plateia.

Porém, mesmo nessa situação, é possível realizar pequenos truques sutis. Você se congratula por estar sentado e ser um menino ou uma menina bem comportados, e tenta transformar isso em uma exibição. É muito sutil. Os jogos podem ser descascados um após o outro, como as camadas de uma cebola. Obviamente, os jogos continuam a acontecer, mas de alguma forma você pode lidar com eles.

Você já teve o treinamento básico da prática shamatha e a partir disso começa a expandir. Gostaria de salientar novamente que a experiência de shamatha é extremamente importante. Sem essa base, o praticante não está em condições de experimentar vipashyana. Mas com essa base, o praticante pode começar a expandir o significado de atenção plena para que ela se torne consciência. A consciência é estar totalmente presente, e a consciência é perceber tudo. Na consciência, tudo que acontece é visto diretamente. Isso também poderia ser chamado de visão panorâmica.

Nesse caso, a visão panorâmica revela a percepção de toda a radiância que criamos. Possuímos uma certa peculiaridade ou um certo estilo que é refletido para fora. Quando você se senta, isto se torna puramente um processo do pensamento. Você desenvolve um senso de apreciação das coisas ao seu redor não uma a uma, mas em sua totalidade. É como a luz que irradia de uma chama ou de uma lâmpada que se propaga para fora. Entretanto, descobrimos que essa radiância não tem algo que a irradia. Se você olhar para quem está fazendo todos esses truques, produzindo essa exibição, essa radiância, não há ninguém. Mesmo a ideia de alguém não existe. Há puramente um senso de abertura, um senso de que você pode se relacionar de forma ampla com as experiências do mundo.

Neste momento, estamos apenas introduzindo a experiência de vipashyana. Posteriormente entraremos em mais detalhes. O que é necessário entender agora é que a experiência de vipashyana não progride para o nível de um jogo, mas permanece puramente no nível da experiência, a experiência viva da consciência (em oposição à atenção plena).

A consciência, nesse caso, não é a consciência de si mesma, mas a consciência do outro. A diferença entre as duas é que se você está consciente de si mesmo, ela é a consciência de estar consciente de si mesmo, consciente de si mesmo, consciente de si mesmo, consciente de si mesmo. Há uma espécie de incesto ocorrendo. Enquanto que se você está apenas consciente, isso é abertura, um gesto de boas-vindas. Você coloca seus atos dentro do seu reino da consciência, portanto você não pune ou não observa. Particularmente, você não questiona, mas simplesmente é. Essa parece ser a abordagem básica ou a política básica da meditação do insight, vipashyana.

Você entende o que estou dizendo?

Extraído de The Path is the Goal, Chögyam Trungpa.

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