Imagem de Pixabay

Poema para Mata Filipino

Mãe das Ilhas Marshall escreve um poema para a sua filha bebê sobre o mundo que ela habitará quando crescer


Por
Tradução: Caroline Souza

Diante de líderes das maiores potências do mundo, na Cúpula do Clima da ONU, uma mãe vinda das Ilhas Marshall estarrece a plateia e pessoas do planeta inteiro com um poema escrito por ela para Mata, sua filha bebê.

Na fala simples e genuína de uma mãe que vislumbra o mundo onde sua filha vai crescer, que reconhece o limite do seu próprio abraço e proteção, e que entende que a única via possível é se fazer ouvir, ela silencia aqueles que detém um real poder sobre o futuro da humanidade – aqueles que podem de fato plantar as sementes de um amanhã menos voraz, mais habitável.

Em primeira mão, a Bodisatva traduziu as palavras potentes e destemidas dessa mãe e cidadã que já entendeu que não temos mais tempo a perder: que as escolhas mais decisivas de toda a história estão nas mãos de cada um de nós neste exato momento. Confira!


Querida Mata Filipino,

Tu és um raio de sol de risos gordinhos

e sete meses de idade.

És careca como um ovo,

e careca como o Buda.

És coxas que são trovão,

gritos que são relâmpago.

Empolga-te com bananas e com abraços

e com nossos andares matinais na Lagoa.

Querida Mata Filipino,

quero te falar desta Lagoa,

desta lúcida e preguiçosa Lagoa

espraiando-se sob o fogo do sol.

Os homens dizem que ela vai te devorar.

Que vai morder as linhas da costa e mastigar as raízes

das tuas árvores de fruta-pão.

De uma só vez,

engolir fileiras de quebra-mar e adentrar pela tua ilha

triturando os ossos.

Dizem que tu, tua filha e também tua neta vão vagar sem raiz,

com casa apenas num passaporte.

Querida Mata Filipino,

Não chora.

Mamãe promete: ninguém vai te devorar.

Nenhuma empresa-baleia de gorda ganância

assassinando através dos mares,

nenhum negócio de violada moral, intimidando como represas,

nenhuma burocracia cegada

vai empurrar esta mãe-oceano sobre o seu próprio limite.

Ninguém vai se afogar, meu bebê.

Nem ir embora.

Ninguém vai perder a casa.

Nem virar refugiado da mudança climática.

Ou, melhor: ninguém mais.

Aos ilhéus de Carteret, Papua Nova Guiné,

e aos ilhéus de Taro, em Fiji,

peço este momento para me desculpar.

Estamos aqui traçando a linha.

Porque nós, meu bebê, vamos lutar!

Mamãe, papai, boo-boo e jahmai.

Teu país, teu presidente.

Nós todos vamos à luta.

E mesmo que haja aqueles,

que atrás de títulos de platina,

fingem que não existimos,

que as Ilhas Marshall, Tuvalu, Cuba, Maldivas,

que o furacão Haiyan nas Filipinas,

que as enchentes no Paquistão, Argélia, Colômbia,

que os ciclones, maremotos, terremotos,

que nada disso existe,

Ainda assim, há quem nos veja!

Com mãos estendidas,

pulsos erguidos,

cartazes ao alto e megafones gritando.

E nós somos as canoas que trancam navios de carvão.

Somos a radiância de aldeias solares,

o solo rico e fresco dos lavradores.

Somos dedos adolescentes fazendo nascer petições,

as famílias em bicicletas, reciclando, reusando,

os engenheiros construindo, sonhando, criando,

os artistas pintando, dançando, escrevendo.

Estamos espalhando a notícia.

E nas ruas há milhares caminhando de mãos juntas,

cantando pela mudança, já!

Eles marcham por ti, meu bebê.

Eles marcham por nós.

Porque a gente merece mais

do que apenas sobreviver.

Merecemos vicejar!

Querida Mata Filipino,

tu és olhos pesados de sono.

Então fecha-os, meu bebê.

E dorme em paz.

Porque não vamos te decepcionar.

Vais ver.


Veja a fala completa de Kathy Jetnil-Kijiner na Cúpula do Clima da ONU, em Nova York, em 2014 →


Apoiadores

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *