Beija-flor-de-fronte-violeta se alimenta de uma lanterna chinesa no sítio aonde está sendo realizado o projeto de reflorestamento. Foto: Elise Bozzetto.

Reencanflorestamento: reencantar a prática por meio da floresta

A praticante Elise Bozzetto conta como uma horta orgânica levou ao plantio de mais de 400 árvores no sítio de sua família, com a ajuda de amigos – e de pássaros


Por
Revisão: Cristiane Schardosim Martins

Reencanto – canto. Hoje conto a história de árvores plantadas para receber cantos.

Cantos de pássaros e zumzum de abelhas.

“Reencanflorestamento” é o nome com o qual batizo este feito.

Feito esse por benfeitores vários, para reencantar o mundo com uma pequena floresta.

Uma floresta de cantos.


Esta história, a história do Reencanflorestamento, começou em 2020. Durante a pandemia, nosso sítio (3,4 hectares de terra em forma de morro – com direito a muitas pedras e uma pequena mata nativa) foi um local de ampliar enquanto tudo se contraia. Engraçado que, de tantas coisas que a pandemia levou, ela trouxe o olhar para a terra, ela me reconectou e eu a toquei. 

Comecei uma horta orgânica, plantando de tudo um pouco, uma horta com flores e chás no meio de verduras e legumes. Um verdadeiro caos que deu certo. A família toda se envolveu no plantio e cuidado com a horta – meus filhos, minha mãe, meu irmão. Um amigo engenheiro agrônomo aposentado começou a fazer mudinhas de tudo que era coisa e me dar de presente, e também o Pelle, que me aconselhava com os cuidados do solo. As formigas comeram muitas coisas, mas deixaram outras tantas. A horta me trouxe algo muito precioso, além de alimentos seguros. Como eu colocava a terra da minha composteira (na cidade tenho um minhocário) direto nos canteiros, algumas minhocas acabavam indo junto. Com o tempo, percebi que quando eu chegava na horta (cercada por sombrite) era uma passarada voando desesperada. Sabiá, joão-de-barro, corruíra, bem-te-vi. Comecei a fotografá-los e virei uma Observadora de Aves (com direito a entrada em um Clube de Observares, javalizão logo bem estabelecido, haha). Fiquei encantada com o fato de eles terem sido responsáveis por uma plantação gigantesca de abóboras e morangas que tomou conta da horta. Provavelmente eles dispersaram sementes por lá. Os pássaros mudaram meus hábitos alimentares. 

Foi quando eu tive um insight: “por que não alimentar essa passarada e fazer eles reflorestarem a Picada Augusta inteira dispersando sementes pela vizinhança? Já que estamos aqui, vamos lá”. Busquei na sanga conhecidos que pudessem me dar dicas de como reflorestar. 

Mudas prontas para serem plantadas. Foto: Elise Bozzetto.

Fase um: aprendendo a aprender

O que plantar? Onde plantar? Amigos tentaram me ajudar. Praticantes de Goiânia (com seu cerrado) e São Paulo (Cerrado e Mata Atlântica). Descobri que a terra precisa de um olhar regional, só para ela. Cada pedaço da terra tem sua história, seus seres, sua química, sua necessidade. O mesmo bioma tem plantas e seres diferentes, então por que a terra poderia ser globalizada? Procurei redes locais e encontrei amizades muito preciosas em pleno isolamento social. Pois bem, já sabia o que plantar. Comprei mudas nativas, fiz um planejamento sem muita ciência (nem a do homem nem a dos pássaros). Durante o ano de 2020, cerca de 200 mudas foram plantadas. Vieram a estiagem, as formigas e algo inesperado: as éguas. Temos cinco éguas e elas comeram metade das árvores. Quando eu iria imaginar isso? Maharaja é criativo. Eu precisava aprender mais e ter mais habilidade para que as coisas dessem certo.

Fase dois: aprendendo a confiar nos méritos

Moro no Rio Grande do Sul, então posso plantar de maio a agosto. Guardei o aprendizado de 2020 para colocar em prática em uma nova tentativa de Reencanflorestamento em 2021. No início do ano, perco o emprego. Eu lembrei muito do Lama Padma Samten nessa hora, que sempre nos diz que se temos mérito, se nossa motivação é beneficiar os seres, as coisas acontecem. Então eu pensei: por que não apostar nos méritos? 

Procurei um amigo, engenheiro ambiental e passarinheiro, para planejar o projeto audacioso. Ele me disse: “veja, Elise, vamos planejar em 2021 e plantar em 2022, assim temos tempo de escolher as mudas e guardar dinheiro para a execução do projeto”. Como envolvia a proteção das mudas (para as éguas não comerem), a compra delas e ferramentas para o plantio (descobri que os berços que eu fazia eram pequenos demais e isso comprometeu a sobrevivência das árvores plantadas em 2020, que não resistiram à estiagem por terem um solo muito compactado ao redor), o projeto sairia bem caro e eu estava desempregada. 

Mamangava poliniza um pé de feijão guandu, muito utilizado em projetos de reflorestamento. Foto: Elise Bozzetto.

Foi quando tive a ideia de passar a tigela. Liguei para uma cooperativa de energia, expliquei meu projeto e com surpresa recebo a resposta: “iremos te doar 400 mudas”. Liguei para o meu amigo engenheiro e disse: “sabe aquele lance de planejar? Dá pra ser pra ontem? Ganhei todas as mudas”. Rimos muito e decidimos que o projeto sairia esse ano ainda. Para cobrir os custos de plantar e proteger 400 mudas, abri um financiamento coletivo e consegui atingir a meta de R$ 2.000,00. Recebi ainda outras doações, contabilizando mais de R$ 3.000,00 para o projeto. 

Começamos os mutirões de plantios e muitas pessoas ajudaram a plantar. Meus finais de semana, desde maio, têm sido dedicados a plantar ou a regar as mudas. Durante a semana também tenho ido para o sítio para cuidar das árvores. Não é nem um pouco fácil seguir com o projeto. Em um domingo, nublado e muito frio, eu estava lá, sozinha, molhando as mudas e, cansada, sentei ao lado de um pé de lanterna chinesa e pensei: “por que fui inventar essa história de 400 mudas?”. Foi quando ouvi a revoada de um beija-flor que ficou ali, do meu lado, a menos de um metro de mim, alimentando-se das flores. Ele foi mandado por um Bodisatva para aquecer meu coração e me mostrar a motivação. Toda vez que eu canso, eu penso naquelas árvores fornecendo néctar e frutos para os seres daqui uns anos. A quantidade de seres que serão beneficiados é gigantesca.

Mutirão de reflorestamento. Foto: Elise Bozzetto.

Fase três: aceitando limites (e ultrapassando limitações)

Nos primeiros mutirões vimos que não seria possível plantar 400 mudas. O solo era muito compactado, dava muito trabalho abrir os berços, e no ritmo que estávamos indo, não daria para acabar tudo até agosto. Mas, eu sempre tive uma ingenuidade quase infantil de acreditar em sonhos. Eu sabia, no fundo, que daria certo. Mas eu também via nossa limitação. Foi quando um novo insight surgiu. Um vizinho, rindo de mim, disse um dia que eu parecia uma máquina de fazer buracos. Foi quando eu pensei: “claro! Uma máquina de fazer buracos!”. Pedi que ele me ajudasse a encontrar alguém que tivesse uma máquina dessas e contratei a máquina e o vizinho para abrir buracos. Isso facilitou imensamente o plantio.

Fase quatro: a originação dependente nunca para

A luminosidade da mente é algo impressionante. Do lugar de “não vai dar para plantar 400 mudas” fomos para “e agora, o que fazemos com 570 buracos?”. Então, atualmente, eu vou ter de comprar 170 árvores, pois sobraram buracos. Pelos meus cálculos, vou ficar com um déficit financeiro de R$ 600,00, mais ou menos. Mas, o que é esse valor perto da riqueza gigante que estamos oferecendo? Quando eu imaginei que com esse valor eu conseguiria plantar 570 mudas de árvores da Mata Atlântica, que é um dos biomas mais ricos e mais ameaçados do planeta? 


Sistema de choque para proteger as mudas. Foto: Elise Bozzetto.

Saiba mais sobre o projeto:

  • O projeto foi planejado por um engenheiro ambiental, com formação em permacultura e sistemas agroflorestais. A parte técnica é muito importante. Ele foi voluntário e acompanhou inclusive a execução do plantio.
  • Os berços foram feitos com as seguintes medidas: 35cm x 35cm de tamanho e 45cm de profundidade. A máquina de fazer buracos perfura um espaço menor de solo, mas ajuda muito a descompactar o local e facilita a abertura.
  • Foram usadas duas metodologias de reflorestamento: 1) corredores verdes, com plantio em linhas, de 2m em 2m, respeitando o estrato (altura e tamanho da copa) das espécies; 2) plantio em núcleo (mudas bem próximas) na área mais degradada e lixiviada para geração de biomassa e dispersão de sementes.
  • Plantas pioneiras (que crescem mais rápido) foram priorizadas em locais mais degradados e espécies de clímax foram introduzidas próximas aos capões de mato.
  • Serão inseridas mais de 50 espécies diferentes da Mata Atlântica.
  • Os maiores custos foram para cercar com choque elétrico os corredores ecológicos, a cerca do Sistema Agroflorestal (insumos e mão de obra) e o aluguel da máquina de buracos. Além disso, as mudas excedentes terão um investimento alto.

Quem quiser indicações e ajuda pode me escrever: elise@universo.univates.br


Conheça as espécies que compõem o projeto:

Açoita-cavalo – Angico – Araçá-amarelo – Araçá-vermelho – Araucária – Ariticum – Aroeira-piriquita ou Aroeira salso – Batinga – Branquilio espinhos – Camboatá branco – Comboatá vermelho – Caliandra – Canela-do-brejio – Canela-preta – Canjerana – Capororoca – Caroba – Cedro – Cerejeira – Chá-de-bugre – Chal-chal – Cocão-do-mato – Farinha-seca – Goiaba-serrana – Guabiju – Guabiroba – Guajuvira – Guamirim – Ingá – Ingá-feijão – Ipê-amarelo – Ipê-amarelo-da-serra – Ipê-roxo – Louro pardo – Maria-preta – Pata-de-vaca – Pau-ferro – Pêssego do mato – Pitangueira – Sete Capotes – Tarumã – Tarumã-com-espinho – Timbaúva – Timbó – Umbu – Uvaia


Bem-te-vi. Foto: Elise Bozzetto.

Dzongsar Khyentse Rinpoche pretende plantar 84 mil árvores

O Siddhartha’s Intent, do mestre Dzongsar Khyentse Rinpoche, em homenagem a Buda Shakyamuni e Bhumisparsha, incentiva em 2021 o plantio coletivo de 84.000 árvores. 

O Centro sugere o plantio de árvores com amigos e família, unindo um momento de coletividade com o cuidado ao meio ambiente e para tornar a Terra um pouco mais verde e saudável para que possamos aproveitar os benefícios nos próximos anos!

Depois de plantar a (s) árvore (s), o Siddhartha’s Intent solicita que seja enviada uma foto e informações com que tipo de árvore, local e quantidade de espécies plantadas para 84000trees@gmail.com.

Apoiadores

3 Comentários

  1. Mathias Weller disse:

    Muito legal Elise! Você faz algo generoso para os seres vivos, pássaros, mamíferos e outros que podem viver nesta pequena floresta. Gostaria se teria mais pessoas pensando como você. Árvores geram qualidade de vida, produzindo humidade e oxigênio e gerando sombra para nós. Para cada árvore que se corta no mundo, se deveria hoje plantar três arvores novos.

  2. Antônio Carlos Cropalato Di Tullio disse:

    Muito bom, parabéns, gosto muito de uma leguminosa, se me permite, leucena, enriquece o só.. Plantei acompanhando a cerca.

  3. Antônio Carlos Cropalato Di Tullio disse:

    Parabéns, se me permite, adicione a leguminosa leucena, muito rica e enriquece o solo.
    Plantei acompanhando a cerca e dava como suplemento ao gado.

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