Três Pontos Cruciais

Originação dependente, Shamata e Clareza, por Lama Padma Samten


Por
Revisão: Mônica Panis Kaseke

Hoje começou o Retiro de Verão no CEBB Akanishta, com o tema “A Prática da Lucidez Rigpa, Prajna e Sati”. Para trazer um pouco sobre Sati, resgatamos o ensinamento oferecido por Lama Padma Samten no Retiro de Inverno de 2020, onde ele abordou os três pontos cruciais da visão Sati. O Retiro de Verão vai até 10 de março e é possível acompanhar online, além de ter acesso às gravações. Clique aqui para fazer a sua inscrição.


Eu vou também trazer um outro comentário que trata do cerne do aspecto da lucidez. Por quê? Porque nós vamos entrar agora na contemplação, corpo como corpo, etc… então, se a gente puder resumir tudo o que a gente já estudou sobre como ver, se a gente puder resumir em algum conselho mais curto, e puder utilizar isso quando estiver contemplando corpo como corpo, sensação como sensação e etc, então, isso é uma boa coisa! Eu vou começar trazendo isso, porque é como se fosse uma ajuda para funcionar melhor o próprio processo da respiração, do corpo e etc.

1. Originação dependente

Enquanto o Buda diz: “inspirando longo…” Aí você veja e você diga: estou inspirando longo, inspirando curto, inspirando longo…você tem uma plena atenção justa. O que seria isso? Essa plena atenção justa? Eu posso pensar que essa plena atenção é simplesmente ficar fazendo: longo, curto, longo, curto, longo, curto… Assim. Mas o que que é essa ação da mente? Se a pessoa simplesmente diz longo, curto, longo, longo, curto, curto, se ela diz isso o que ela está fazendo?  E isso é toda a profundidade? Eu queria explicar esse ponto. O primeiro aspecto desse ponto da lucidez, eu não vejo como não utilizar, como contornar, a originação dependente; não vejo. Se a gente puder contornar, melhor! Não vejo como contornar os ensinamentos da originação dependente, então, como que eu aconselharia? Se quiser ter êxito nisso, volte ao ponto da originação dependente, contemple cuidadosamente todos os aspectos da originação dependente que estão ligados a causa do sofrimento. Ai, o que nós precisaríamos ver dentro da originação dependente? Precisaríamos ver como nós construímos sucessivamente as aparências que são, então, os doze elos, doze aparências, e como que essas aparências passam a existir. É assim!

A contemplação da originação dependente é o que nos permite ver a construção luminosa que nós vamos utilizar como base, como substrato para poder construir outras construções luminosas adiante. Então, a gente precisaria entender a originação dependente enquanto luminosidade da mente. Aqui a gente poderia olhar para o tambor e dizer: na dependência da madeira e do couro, eu construo um objeto de madeira e couro que vou denominar tambor; eu não só vou denominar tambor como eu vou utilizar como tambor. Só que isso não é apenas a madeira e o couro, é o efeito que o som que isso produz sobre o curso da operação da minha própria mente. Então, o tambor ele tem essa mistura de significados e efeitos. Se a batida do tambor não produzisse nenhum efeito, nós não saberíamos nem mesmo nomear tambor. E esse efeito que o tambor propicia, ele não é um efeito causal. Eu posso dizer que é um efeito causal, mas eu não estou preso a essa casualidade, eu posso deixar esse efeito ocorrer, eu também não preciso deixá-lo ocorrer, mas eu posso tomá-lo por base. Então o surgimento dessa experiência não é apenas o surgimento da experiência, é a transformação disso que eu vou chamar de experiência – que é uma coisa indefinida e imprecisa – como base para a operação subsequente da mente. E a operação subsequente da mente é uma construção luminosa subsequente, ela pode vir na forma de energia, na forma de significados, ela pode acionar várias coisas.

Se nós olharmos um painel onde tem uma imagem, vamos supor uma imagem humana, e a gente olha aquela figura masculina ou feminina e encontra beleza naquela imagem, nós estamos observando o que significa a originação dependente. Porque na dependência de pano e tinta, nós vemos luminosamente uma expressão humana. Essa expressão humana é inseparável de estruturas de respostas internas nossas de corpo, de energia, mente e paisagem. E essas estruturas de resposta dão significado e dão realidade à aparência humana que nós vemos no pano e tinta. A substância dessa figura humana é a luminosidade da mente. O fato de que essa figura humana surge da luminosidade da mente, surge do pano, da tinta, das condições cármicas, das respostas programadas, das experiências anteriores e tudo isso se funde produzindo alguma imagem humana, nós vamos chamar isso de origem dependente. Então, é na dependência desses fatores todos que a luminosidade surge produzindo aquela imagem, mas a substância da imagem não é nem o carma, nem o pano, nem a tinta e nem o próprio corpo da pessoa. A substância da imagem é a luminosidade da mente. Então, se nós compreendermos que as aparências todas, internas e externas, são essencialmente a luminosidade da mente, esse seria o primeiro ponto. A gente poderia pensar, esse é o último.. Não, esse é o primeiro nesse processo de plena atenção. Eu vou chamar isso de originação dependente. Então a gente precisa ter uma clareza quanto a originação dependente.

2. Shamata

O segundo ponto é assim, nós precisamos ter algum nível de Shamata. Se a gente não tiver shamata, vamos fazer SAMU [atendimento de emergência], vamos fazer outra coisa. Por um tempo até que a gente consiga desenvolver Shamata, porque não tem como entrar sem Shamata. Do mesmo modo, não tem como entrar sem reconhecer a originação dependente, não tem como entrar sem Shamata. Então, por exemplo, isso que eu estava descrevendo sobre a originação dependente, inclui uma contemplação do próprio processo de como a mente está funcionando. Se a pessoa não tiver Shamata, ela não consegue ver isso de jeito nenhum.  Por quê? Porque ela tem uma mente caótica, quando ela olha alguma coisa já salta para outra, salta pra outra, salta pra outra, ela não consegue acompanhar aquilo. Não tem jeito. Então a pessoa precisa de Shamata. Mas aí como ela vai usar a Shamata? Ela precisa de Shamata e aí ela vai fazer esse exercício que Dudjom Rinpoche propõe, que eu considero um exercício super importante. (Isso também está dentro das linhas temáticas, foi explicado direitinho em dezembro do ano passado no retiro de 1 a 8, eu reforcei isso nos retiros de janeiro, está tudo claro). Dudjom Rinpoche diz: acalme sua mente. Esse é o segundo ponto. O primeiro é originação dependente. Agora esse ponto que eu comecei descrevendo por Shamata, eu vou seguir. Então, acalme sua mente. Shamata. Se a mente estiver calma, você diz “a mente está calma”. Se a mente está agitada, você diz “a mente está agitada”. Aquilo que sabe que a mente está calma ou está agitada é Rigpa. Então, a capacidade de olhar o que está acontecendo com a mente é completamente crucial. Esse é o segundo ponto.

Então, o primeiro ponto é a luminosidade da mente através da originação dependente, o segundo ponto é a capacidade da mente estar sabendo o que está acontecendo com ela, calma. Agora nós vamos unir o primeiro com o segundo ponto. Agora é um desdobramento do segundo, é uma extensão do segundo. Aí, nós olhamos assim: o que é a mente agitada? Então, seguimos olhando com o poder da mente estável, quando a mente está agitada, já não é mais o que Dudjom Rinpoche está dizendo. Isso aqui é a união dessa capacidade Rigpa de olhar a própria mente, ela olhando o que é a mente agitada. Quando vocês olham o que é a mente agitada, a mente agitada é assim: surge uma imagem, essa imagem serve de apoio para a imagem seguinte que é gerada, essa imagem seguinte, serve de apoio para outra de imagem, que serve de apoio para outra imagem. Então, há uma sucessão de manifestações luminosas, sendo que cada uma serve de base para a seguinte, essas manifestações luminosas não são apenas da mente, ou então ampliamos o sentido da mente para incluir o corpo, a energia, a disposição, os significados todos e visão de mundo. Então, cada ponto imaginado, tem a bolha inteira que produz a bolha inteira (isso aqui é o vapor vamos deixar assim. Não nada não.) (risos) (a tampa da xícara começou a andar sozinha. E a pessoa olhou ops!… (risos)… se a mesa sair andando sozinha. AÍ sim…risos…) Mas, então, olhando desse modo, a gente vê a originação dependente. Então o que nós estamos fazendo? Estamos parados pelo poder de Shamata, somos capazes de estabilizar a mente. Aí surge a capacidade de ver a operação da mente, é Rigpa.  Se vocês olharem e quiserem aprofundar isso, olhem os versos do Prajnaparamita e olhem o texto do Prajnaparamita, olhem antes do mantra do Prajnaparamita. Está lá: Rigpa, que é a lucidez do Prajnaparamita. Nós estamos vendo isso, vendo essa operação interna. Vemos essa cadeia de significados e nós vemos que cada objeto, ele não é apenas um objeto, ele é uma movimentação do corpo, uma movimentação da bolha inteira. Então, isso completa o segundo ponto. Então, o primeiro ponto é a originação dependente, o segundo ponto é Shamata (rigpa) e a compreensão do que seria a mente desatenta produzindo proliferação mental.

.3. Clareza

Aí, o terceiro ponto, que é crucial, sem o qual nós não vamos conseguir avançar também, é a clareza. Agora nós retornamos como Dudjom Rinpoche diz: agora a mente se volta e olha para si mesma. Então, a mente vê a mente parada e lúcida, capaz de olhar todas as aparências que surgem da proliferação mental. Então, nós temos a mente parada e lúcida, cognoscente que é o Prajnaparamita (Rigpa), sem condicionantes. Quando começa a mente a operar a partir de um condicionante, outro condicionante e outro condicionante, produzindo proliferações luminosas as aparências começam a surgir, as bolhas surgem, mas há algo que não se move, que segue lúcido. Esse algo que não se move, segue lúcido diante das múltiplas aparências que possam surgir é o terceiro ponto. Isso é a Sabedoria Primordial. Isso é a base lúcida de Rigpa. Então se a gente tem esses três pontos, a gente consegue entrar agora no caminho direto, é isso que nós vamos fazer, esse caminho direto. É isso que eu vou começar a descrever.

Então, com isso eu terminei o segundo comentário desta manhã e agora eu vou partir para o ensinamento sobre o Satiphatana.

Então, como há essa capacidade de ver, a palavra Satti faz sentido agora. Satti é essa sabedoria, sabedoria que brota de Rigpa. Brota do lugar não condicionado vendo a multiplicidade de condicionamento que surgem como corpo, como as sensações, como as percepções, os cinco skandas, e também como as próprias aparências ao redor, que são os objetos mentais, que também como a própria mente. Então, a mente vai se tornar um objeto de contemplação da lucidez. Nós vamos chamá-la de nanpachepa que é essa mente que vai produzindo isso. Tá certo que a gente tem a grande mente que nós não iremos chamar de grande mente, mas de Kadag, Lhundrup, Tsal, Lung, Natureza Primordial, nós vamos chamar de outras coisas. A gente não vai chamar de mente. Mente em tibetano é sems que corresponde a nanpachepa que é vijnana também. Jnana é sabedoria, vi é dual, sabedoria dual.  Essa lucidez primordial é jnana, vijnana é jnana, mas é jnana operando a partir de categorias de construções luminosas. No ponto dois e no ponto um que nós estamos contemplando a originação dependente, a gente precisaria absolver totalmente a originação dependente e a inteligência condicionada que vê os fatores todos. A gente precisaria entendê-los como manifestação luminosa da natureza primordial e com nada a apontar como defeito. É a habilidade da mente primordial em construir mundos, estabelecer significados de base e construir a partir destes significados de base outras coisas, isso produz a multiplicidade desse mundo em todas as direções. Então, entendendo isso, nós estamos mais próximos de poder penetrar nesse caminho direto como o Buda vai descrever. Então, com isso eu encerro esse segundo comentário.

Apoiadores

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *