Foto: Max (Unsplash).

Voltar para a almofada

A praticante Jana Macedo conta como retomou a meditação durante a pandemia, após dores no corpo sinalizarem que algo não estava bem


Por
Revisão: Cristiane Schardosim Martins

Surgiu, de repente, aquela dor no estômago, aquele incômodo, nada estava bom: comer, falar, dormir. Tinha tido uma crise assim aos 20, quando trabalhava na área financeira de uma empresa, recém-saída da faculdade. Agora, aos 40, me vi novamente fazendo uma endoscopia. Para meu alívio, nada no estômago, mas algo acontecia para aquela dor de origem desconhecida voltar.

Estavam ali a angústia, a ansiedade e o medo, somatizados no meu estômago como um contorcionista enganchado pelas pernas. Posso dizer que a pandemia potencializou tudo isso, tudo que já sabemos, fruto de um pacote aflitivo.

Tomei de tudo: chás de espinheira, antiácidos, “prazóis”, nada passava. Era emocional. O tempo passou, a pandemia se alongou e este espaço sem muitas distrações com o “lá fora” foi a oportunidade que tive para conseguir, então, me fazer perguntas: como poderia lidar com essas emoções que estão me afetando tanto? De onde elas vêm? Por que somatizo? Tenho tanta coisa boa ao meu redor, por que sofro?

Entendi, no primeiro momento, que as dores estiveram sempre ali, como há 20 anos, só que adormecidas, como que hipnotizadas pela suposta liberdade e pelas distrações de que gozávamos no pré-pandemia. Entendi que momentos de estresse catapultam o que tenho como padrão, que seriam os gatilhos acionando minha base de dados emocional. Entendi, também, que não conseguiria continuar vivendo assim, no modo tensionado, porque as restrições desta “nova realidade” não iriam sumir de repente, tanto é que ainda hoje estou sob um mundo em pandemia. Teria que lidar com as sombras neste vasto espelho escancarado, na suspensão das distrações deixadas pela pandemia.

Como fazer? E assim, um dia, encarei de novo a almofada. Ganhara da minha irmã quando comecei a praticar, há 10 anos. Naquela época, estávamos construindo uma relação, eu e minha prática, uma agenda comum nossa, tínhamos encontros marcados. Mas a almofada estava há 5 anos sendo usada para qualquer outro fim que não praticar. Então sentei e meditei. No dia seguinte, meditei de novo. Chamei minhas irmãs e primos, que estavam relatando dores potencializadas também pelo mal-estar da pandemia, e sentamos juntos, online, por algumas noites. Meditamos.

Foto: Michelle Azevedo (Unsplash).

Entendi que não estivera nesse lugar, nessa almofada, e que a prática me trazia de volta estabilidade, um centro, uma amplitude perdida na correria da maternidade, das necessidades inadiáveis. Esse retorno me mostrou que as dores somatizadas vão cessando aos poucos quando começamos a expandir, relaxar.

Esse reencontro também me fez acessar novas ferramentas que desconhecia, como o estudo das emoções, a prática da compaixão a mim e aos outros, a aproximação com uma nova sanga e o entendimento de que o desafio está só no começo, porque o hábito se constrói diariamente e com disciplina. Manter um diário das emoções, um diário de meditação, ler livros com instruções, trocar com outros praticantes e buscar textos que amparam a prática.

E, em uma dessas buscas, me deparei com o texto da Lama Palden Drolma. Baseado no seu livro Love on Every Breath: Tonglen Meditation for Transforming Pain Into Joy (“Amor a cada respiração: meditação Tonglen para transformar dor em alegria”, em tradução livre; ainda sem edição brasileira), ela aponta alguns motivos que causariam a resistência do praticante para se entregar à prática na almofada. A praticante procrastinante, como ela define, está acostumada a negociar com sua almofada e deixa para depois o que só se pode fazer por si mesma hoje. 

Era eu essa procrastinadora. Procrastinei nos últimos 5 anos, negociando e lidando com a resistência do ego em se dissolver, abrindo alas para tudo vir antes da prática, até que as dores me alertaram que estava já há tempo demais longe dela. Como a Lama ressalta, é importante reconhecer que existe essa resistência. Ela sugere que a gente dê também a ela espaço e que até coloquemos uma almofada ao lado da nossa para a resistência praticar conosco.

Entendi, então, que o espaço da pandemia, longo, permitiu que surgisse esse novo espaço, no qual “tudo cabe”. E, nesta almofada, com este espaço, só faltava o “esforço sem esforço”. Com a ajuda de professores, entendi que o compromisso com a nossa consciência requer também este, que seria o mais difícil e mais simples esforço, o de se soltar. Soltar a resistência e o hábito de procrastinar.

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1 Comentário

  1. Melissa disse:

    Olá, ler esse texto no momento em que me encontro foi a coincidência que eu precisava, sabe? Ha anos venho regando, adubando e enraizando uma eu procrastinadora com sucesso. Coleciono atualmente além das dores, físicas e não físicas, uma compulsão, alguns desacertos nos exames médicos e uma tristeza que parece ter encontrado no meu colo, ombro, costas, um lugar cativo. Tá sempre aqui onde eu posso cuidar, regar, adubar e enraizar. Ontem durante a minha sessão de análise me surgiu a pergunta: qual a permissão que eu preciso me dar para fazer o que eu preciso ou quero fazer mas não faço?
    Soltar? Será isso Jana? Confesso que pensando rapidamente enquanto escrevo aqui já pensei em no mínimo 20 itens “para serem soltos”. Mas 20 é número alto demais penso também. Será que escolho 2 ou 3 por semana? Por mês? Hehe, já to eu aqui planejando algo que possivelmente me fará procrastinar de novo: fazer com “perfeição”. Agradeço a reflexão que tuas palavras me trouxeram e prometo que farei grande proveito do que li e, assim como tu, soltarei o que me prende nesse lugar de dor que ainda estou pra encontrar esse espaço aonde “tudo cabe”.
    Um abraço! Obrigada!

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