Foto: Banco de Imagens

As Cinco Inteligências na Educação

Fernando Leão fala sobre como o ensinamento budista sobre as Cinco Sabedorias permeia a prática diária da Escola Vila Verde


Por
Edição: Lia Beltrão

Escola Vila Verde (EVV) ganhou, em 2015, o prêmio Ashoka de Inovação. Sua sustentação pedagógica se dá a partir de um tripé: a Pedagogia de Projetos desenvolvida pelo filósofo Jonh Dewey; a preocupação com o meio ambiente a partir das observações de Fritjof Capra; e o olhar para o mundo interno inspirado no ensinamento budista sobre as cinco sabedorias. Neste texto exclusivo para a Bodisatva, Fernando Leão, diretor da escola, fala sobre como a aplicação da metodologia forma um “substrato ético” para a prática da empatia na comunidade escolar.

Se você quiser ver o cotidiano da escola, o Canal Futura produziu um documentário dentro da série Janelas da Inovação, disponível neste link.


Na Escola Vila Verde não usamos a palavra “empatia” em nossos documentos ou planos escolares, mas temos plena consciência de que as boas relações se estabelecem a partir de uma relação empática. Essas relações se dão, basicamente, em quatro níveis: consigo mesmo, com o outro, com a sociedade e, finalmente, com o planeta. Entretanto, a empatia, a nosso ver, deve ser acompanhada por um substrato ético em que a habilidade de “se colocar no lugar do outro” não é o bastante. Ou seja, as relações — sejam elas quais forem — se estabelecem a partir da empatia, mas que é preciso ampliar a visão para além da convivência ou mera tolerância.

Assim, usamos na escola o conceito das Cinco Inteligências: a inteligência do acolher, a inteligência de oferecer, a inteligência de estruturar, a inteligência da causalidade e a inteligência de liberar. Você não vai ver na Escola Vila Verde uma aula sobre as inteligências mas verá, com certeza, a aplicação delas nas relações que se estabelecem. As Cinco Inteligências são inteligências relacionais, empáticas e nos ajudam a aprofundar o olhar.

cinco inteligências na educação

Estudantes na cachoeira. Foto: Arquivo da Escola Vila Verde

Acolher

Às vezes chamamos na Escola essa Inteligência de “Inteligência do Espelho”. Isso porque o espelho não escolhe o que vai refletir, não julga. Mesmo quando acordamos com cara feia, o espelho não grita “Saia daqui! Se arrume e fique bem bonito para que eu te reflita!”. O espelho nos acolhe, independentemente de como estamos. Assim devemos nos relacionar com todos, acolhê-los e perceber que aquela pessoa à nossa frente tem referenciais, uma história de vida, uma visão de mundo que é própria, e que suas ações e pensamentos fazem sentido nessa visão de mundo particular. Quando entendemos o outro a partir do referencial dele, isso significa que vemos o mundo do mesmo modo que ele vê, e por isso conseguimos falar de dentro do mundo dele e ser entendidos. É necessário entender que o outro à nossa frente percorreu um longo caminho até chegar ali.

cinco inteligências na educação

Foto: Arquivo da Escola Vila Verde

Oferecer

Essa Inteligência também é chamada de “Inteligência da Igualdade”, e é por meio dela que nos alegramos com as alegrias e conquistas do outro. Antes de pensarmos que se trata de uma habilidade praticamente impossível de adquirir, devemos nos lembrar da alegria que o professor sente quando, por exemplo, o estudante aprende a ler. Ora, o professor já sabe ler, então por que ele se alegra com a conquista do estudante? Porque a conquista do estudante é também a conquista do professor. Da mesma forma, a alegria dos pais com os primeiros passos de seus filhos representa a Inteligência da Igualdade. A alegria, a felicidade, as conquistas dos outros são razões para que eu me sinta feliz. Essa Inteligência é manifestada pelo brilho no olho, por aquela sensação que o professor tem quando, por exemplo, a sala de aula está concentrada em uma atividade e ele olha para os estudantes invadido por um sentimento meio indefinido. A Inteligência de Oferecer nos move no sentido de ajudar o outro a atingir seus objetivos. Se tivermos um olhar muito centrado apenas em nossos objetivos e necessidades, teremos poucas chances de ser felizes.

cinco inteligências na educação

Foto: Arquivo da Escola Vila Verde

Estruturar

Essa Inteligência também é chamada de Inteligência Discriminativa. É uma consequência direta das duas anteriores: se eu compreendo o outro no mundo dele, se tenho um interesse real pelo outro, se as conquistas do outro me trazem alegria, eu terei uma vontade genuína de ajudar o outro, de criar condições para que o outro atinja seus objetivos. No âmbito escolar, é quando o professor percebe as dificuldades do estudante e busca alternativas de atuação para que ele possa atingir seus objetivos. Vamos encontrando novos caminhos e estimulando outros olhares. O próprio estudante, com o tempo, vai observar que não há um caminho único, mas sim um caminho mais adequado a ele, e que pode ser diferente do tomado pelo colega. Deixam-se de lado as receitas prontas e desenvolve-se um verdadeiro interesse pelo sucesso do outro.

cinco inteligências na educação

Foto: Arquivo da Escola Vila Verde

Causalidade

Essa Inteligência surge a partir de um questionamento clássico da Sabedoria Discriminativa: “E se o que o outro quer fazer for uma ação errada?” Como eu ajo quando o outro não tem clareza de que o que está fazendo vai gerar algum tipo de sofrimento naqueles quatro níveis (consigo mesmo, com o outro, com a sociedade ou com o planeta)? Na sabedoria popular, a Inteligência da Causalidade é expressa com uma frase: “Se plantou bananas, colherá bananas!” Parece lógico, mas é uma dimensão muito profunda. A Inteligência da Causalidade traz consigo uma abordagem ética das relações. Sem a dimensão ética, a empatia pode ser uma ferramenta de visão utilitarista dos outros: ao compreender o outro, eu saberia exatamente o que fazer ou dizer para levá-lo a agir do jeito que eu quero. Trata-se de uma visão estreita, em que estou me beneficiando graças ao prejuízo do outro. A Inteligência da Causalidade se manifesta em dois níveis: primeiro, eu vou tentar evitar que o outro proceda de modo incorreto; segundo, caso a ação já tenha sido cometida, vou tentar evitar que aquele que agiu de forma incorreta tenha um ganho ou sucesso com essa ação.

cinco inteligências na educação

Foto: Arquivo da Escola Vila Verde

Liberar

Trata-se da capacidade de ver o outro como pleno de possibilidades. Lembre-se de quando você era criança. Quando um adulto perguntava “O que você quer ser quando crescer?”, sua resposta variava muito de um dia para outro, isso quando não era múltipla, do tipo: “Quero ser astronauta, jogador de futebol e veterinário”. Na verdade, naquele momento você poderia mesmo ser qualquer uma dessas coisas, e até mesmo outras. Ao longo do tempo, por várias causas e condições, suas opções foram se restringindo a tal ponto que foi preciso escolher uma delas ou até mesmo outra que nunca havia dito quando criança. A Inteligência de Liberar liberta o outro dos rótulos, entende que o outro é um ser livre, repleto de possibilidades, e que aquilo que ele apresenta para nós é uma delas, à qual ele chegou por vários motivos. Voltamos, assim, para a Sabedoria do Acolher, e compreendemos o outro no mundo dele. Desse modo, a Inteligência de Liberar liberta o outro dos rótulos, mas também nos liberta de nossas ideias preconcebidas em relação ao outro e a nós mesmos. Assim, o estudante não é agitado, ou distraído, ou desinteressado. Ele está expressando esta condição. Como poderá expressar qualquer outra condição de sua ação enquanto estudante.

Quando observamos as Cinco Inteligências dentro do âmbito escolar, vemos que elas se expressam principalmente na relação professor — estudante, mas que também são vistas nas relações entre os profissionais da escola e entre eles e os pais/responsáveis. Assim, vamos pondo em prática uma fala que sempre me lembro de ouvir do Lama Samten quando ele fala nas escolas: “As escolas são para as crianças, mas também para os professores e para as famílias”.


Sobre a Escola Vila Verde:

A Escola Vila Verde — EVV funciona na cidade de Alto Paraíso, em Goiás, e possui atualmente duas unidades: uma no centro da cidade e outra dentro da Aldeia CEBB Alto Paraíso, em uma região rural que faz divisa com o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. A EVV atende hoje 70 alunos, entre 3 e 15 anos, e está se preparando para inaugurar o Ensino Médio em 2018. Será a primeira escola particular de Alto Paraíso e uma das primeiras do Brasil a adotar a Pedagogia de Projetos a oferecer o Ensino Médio. Apesar de uma de suas unidades funcionar dentro de um Centro Budista e ter parte de sua pedagogia inspirada em ensinamentos budistas, a EVV não se apresenta como uma escola budista. Acredita que religião é uma escolha da família e tem entre seus professores evangélicos, católicos, espíritas, hinduístas e, também, budistas.

Para acompanhar essa é a página da escola no Facebook.


Veja mais aqui:

  • Documentário sobre a Escola Vila Verde do Canal Futura.
  • Janelas de Inovação — Escola Vila Verde (Alto Paraíso de Goiás / GO). Fundação Telefônica — Vivo, 2017.

Sobre Fernando Leão:

Fernando Leão é historiador. Trabalha na Educação há 27 anos e com a Pedagogia de Projetos há 25. Desde 2015 é diretor da Escola Vila Verde. Acredita em uma educação alterativa em vez de alternativa. É aluno do Lama Samten há 12 anos e teima em tentar alinhar os olhares budistas e da pedagogia na superação de obstáculos.

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1 Comentário

  1. […] Sobre a metodologia adotada pela EVV na matéria As Cincos Inteligências na Educação. […]

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