Íris Rosa e Kaz Sensei durante a entrevista no CEBB Darmata. Foto: Fábio Rodrigues.

Política, arte e liberdade: uma conversa com Kaz Sensei

Conversamos com Kaz Sensei sobre democracia, arte e envelhecimento


Por
Revisão: Cláudia Laux
Tradução: Gabriel Madeira
Entrevista por: Íris Rosa

Em junho deste ano, o artista e mestre zen Kazuaki Tanahashi Sensei esteve no Brasil oferecendo ensinamentos em diferentes partes do país e apresentando seu fazer artístico através da caligrafia zen. Ao final deste riquíssimo circuito, ele concedeu uma entrevista exclusiva à Revista Bodisatva e tocou em temas que ainda não haviam sido abordados.

Em uma conversa concisa e direta com Íris Rosa no CEBB Darmata, Kaz Sensei explorou a crise atual da democracia e a necessidade de retomarmos o sonho de uma “democracia genuína” por meio de um olhar mais elevado e coletivo, propondo questões cruciais que nos fazem refletir sobre o que realmente aspiramos e de que forma colocar isso em prática.

Explicou como a arte é um instrumento fundamental de transformação social, na medida em que rompe os limites do pensamento convencional ao resgatar nossa liberdade intrínseca: a amplidão da mente que transcende as impossibilidades pela potência da criação.

“Temos uma mente inconvencional, e, portanto, não estamos restritos por uma realidade limitante. Nossas capacidades são infinitas para imaginar algo normalmente visto como impossível e começar a partir de uma tela em branco.”

Por fim, de maneira simples e profundamente poética, convidou-nos a compreender como o envelhecer pode ser também um processo de desenvelhecimento e revitalização.

Como tudo mais, cabe apenas a nós escolhermos.
Sua fala cuidadosa e atenta é um reflexo constante da sabedoria zen, relembrando-nos que cada ação e palavra, por menor que pareça, é sempre algo grande e muito potente.

Confira a conversa na íntegra:


Você é um grande tradutor de Dogen e aqui no Brasil ofereceu retiros e palestras sobre os ensinamentos dele. Dogen é bem conhecido por seus ensinamentos ao Tenzo¹, que era muito importante dentro da estrutura monástica do Zen (eles o chamam de instruções ao cozinheiro). Você poderia falar sobre alguns dos ensinamentos de Dogen para aqueles que cozinham?

Cozinhar faz parte da prática do budadarma. E também talvez você cozinhe algo de tal maneira que seja entendido mais claramente como o ensinamento pode ser aplicado às atividades cotidianas. Penso que se está falando sobre três mentes: uma é a Mente Bondosa, outra é a Mente Ampla e, como talvez cozinhar sejam não só os ingredientes, [seja] algo além dos ingredientes. Não seja limitado pela qualidade dos ingredientes, mas principalmente pela maneira como você cozinha, como serve.

Acredito que a Mente Bondosa consista em ser indulgente com os ingredientes, ser indulgente com todo o meio ambiente, e em manter-se consciente de tudo que se esteja fazendo, bem como da maneira de trabalhar com outras pessoas. Acho que Mente Ampla seja transcender atividades que parecem pequenas, como algum detalhe, mas talvez fazer algo com grande efeito desconhecendo o resultado, porém confiando que provocará um grande efeito. Mesmo ações pequenas podem criar algo muito positivo.

 

A democracia brasileira está hoje em risco, como em muitos países latino-americanos tendo adotado sistemas de governo mais progressistas. O que podemos fazer, em uma perspectiva de budismo engajado, para que não haja resultados negativos com perdas significativas à democracia em tempos de turbulências políticas?

Quando refletimos profundamente, deveríamos imaginar uma situação ideal, incorrupta, uma democracia fresca e limpa. Significa que assim talvez possamos nos libertar da influência do dinheiro. Penso que as contribuições para campanhas eleitorais e o lobby sejam o antônimo da democracia.

A maioria das pessoas quer uma vida eficaz, talvez uma renda justa, bons sistemas de saúde, infraestrutura funcional e quem sabe uma economia incorrupta. Estes são os desejos da maioria das pessoas. E como trazermos essas aspirações para o processo de votação? Talvez a chave do paradoxo se encontre aí. O dinheiro muitas vezes levou a política a gastar mais dinheiro em grandes indústrias ou armas potentes, em despesas militares, etc. Assim, talvez as pessoas se confundam: se isto é bom para os mais ricos, não é bom para a maioria das pessoas.

O mais importante é manter um pensamento claro: qual é a mensagem mais atraente e genuína para convencer as pessoas de que, na verdade, certas coisas são boas para a maioria e outras para os mais ricos?

De certa forma, precisamos realmente pensar em uma boa maneira de apresentar essas questões e também comunicar tais problemas. É um dilema porque a democracia genuína exige que a influência do dinheiro seja ínfima, o que significa que as contribuições para as campanhas deveriam ser muito pequenas, mesmo as das grandes empresas. E também que o ato de influenciar políticos por meio de vastas quantias deveria ser proibido por lei.

Portanto, como fazer isso? Como eleger autoridades que não coletem grandes quantias de dinheiro e combater aqueles que arrecadam essas grandes somas? Como ganharmos a maioria dos votos? Este é um dilema real e muito difícil, muitas vezes visto como impossível de resolver. Porém se muitos refletirem profundamente e debaterem o assunto, e criarem situações para tornar possível a assim chamada democracia genuína, a maioria surgirá.

Foto: Leonardo Hladczuk

Poderíamos pensar na arte como algo com poder de reabertura – um espaço onde a liberdade de nos reinventarmos a nós mesmos e ao ambiente seja possível?

Penso que a arte seja crucial para realizar as transformações sociais de larga escala. O que muitas vezes é dito por cientistas sociais, cientistas políticos e outros tipos de pensadores, por terem uma forma convencional de pensar, é que tal é o sistema, e este é impossível de ser mudado. E eu acho que a arte é livre; ver uma tela, o que pintamos ali cabe apenas a nós. Podemos imaginar e olhar para uma pauta vazia e criar música, isso cabe apenas a nós.

Temos uma mente inconvencional, e, portanto, não estamos restritos por uma realidade limitante. Nossas capacidades são infinitas para imaginar algo normalmente visto como impossível e começar a partir de uma tela em branco. Podemos pensar na situação ideal e encontrar uma maneira de criar processos para atingir nosso objetivo.

 

Você fala da possibilidade de nós envelhecermos e desenvelhecermos ao mesmo tempo. Seria o envelhecimento necessariamente negativo e o desenvelhecimento necessariamente positivo?

Bem, não necessariamente. Nem é positivo nem negativo. Muitas vezes pensamos que o envelhecer é ruim, porque ficamos mais fracos, adoecemos e por fim terminamos morrendo. Mas podemos pensar de outra forma. Acho que envelhecemos e desenvelhecemos ao mesmo tempo.

Algumas partes dos nossos ossos, células e peles meio que envelhecem, e por isso não se pode rejuvenescer. Mas talvez muitas das partes, talvez as células, possam ser revitalizadas, como quando dormimos, descansamos. Isso também acontece quando fazemos exercícios, nos alimentamos de comida saudável, nos divertimos.

Mas se dissermos: “Estou ocupado demais para plantar, ou cozinhar, convidar amigos. Talvez eu devesse ir a um restaurante fast-food e comer rapidamente”, garanto que você envelhecerá bem rápido (risos). Então esse tipo de envelhecimento não é muito bom, certo?

Temos a todo momento a opção entre desfrutarmos de uma experiência mais prazerosa e nos revitalizarmos a nós mesmos, ou ficarmos entediados ou bêbados, talvez bravos ou deprimidos, e assim acabarmos envelhecendo de forma negativa. Mas desenvelhecer é, em certo sentido, uma escolha de cada momento: temos a opção entre envelhecer ou desenvelhecer.


¹Tenzo, ou cozinheiro-chefe, é descrito na literatura Zen como um dos seis cargos mais antigos dentro das comunidades que praticavam o Caminho do Buda. Também refere-se a um texto do mestre Dogen, Tenzo Kyôkun, onde ele dá instruções práticas aos cozinheiros dos templos.

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1 Comentário

  1. Ormando M.N. disse:

    Linda entrevista ^^
    Sábias palavras do mestre Kaz ^^

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