Neste relato, Yongey Mingyur Rinpoche fala sobre como ele lidou com a crise de pânico e o medo da morte
A editora Lúcida Letra autorizou a publicação de trecho do ensinamento do grande mestre Yongey Mingyur Rinpoche, do livro Transformando confusão em clareza: Um guia para as práticas fundamentais do budismo tibetano, lançado recentemente, durante a sua vinda ao Brasil.
Confira este precioso relato inspirador deste grande mestre sobre como ele lidou com a crise de pânico e o medo da morte. A contemplação da impermanência e da morte é uma forma de introduzir os Quatro pensamentos que transformam a mente.
Meu pai tentou explicar que a meditação sobre a morte desenvolvia sabedoria e compaixão e fornecia o melhor antídoto para a raiva, o sofrimento, a ganância e a dor. Para mim isso parecia outra má notícia e não me convencia. Tudo mudou quando eu tinha doze anos e chegou a hora da cerimônia formal que me reconheceria como a reencarnação do Mingyur Rinpoche anterior.
Naquela época eu morava em Sherab Ling e centenas de pessoas se reuniram no templo principal para a cerimônia. Vieram de Bir, do governo-em-exílio tibetano em Dharamsala, do Nepal e dos monastérios tibetanos da região. Tai Situ Rinpoche conduziu a cerimônia sentado em um trono de frente para a multidão e eu me sentei ao lado; meu irmão Tsoknyi Rinpoche veio do monastério Tashi Jong e sentou-se em frente a mim.
Eu me encontrava havia semanas em estado de ansiedade por causa dessa cerimônia e, durante todo o dia, ele ficou ao meu lado me tranquilizando. Porém, quando subi ao trono, minha garganta começou a fechar e fui tomado por ondas de tonturas, tal como um avião passando por turbulência. Fiquei suado e nauseado e tive o pior ataque de pânico de minha vida. Meu irmão temia que eu desmaiasse e fazia um gesto constante para que eu bebesse água. Quando a cerimônia chegou ao fim, todos passaram diante de mim para oferecer um kata – uma echarpe branca cerimonial – e eu tive que abençoar cada um.
Finalmente, chegou a última pessoa da fila e a cerimônia terminou, mas o pânico continuava. Todos haviam sido convidados para um almoço especial sob uma grande barraca construída ao ar livre, mas eu corri para meu quarto. Deitei na cama, mas a náusea e a tontura continuaram por vários dias, e eu imaginava até que fosse morrer.
Naquele momento, me lembrei das palavras que meu pai havia dito. Pensei na impermanência e nos benefícios de me incluir na realidade da mudança. Como já havia concluído que logo morreria, o simples pensamento dessa possibilidade já não me assustava tanto como no passado. E me perguntei: se eu morrer amanhã, e depois?
Passaram mais alguns dias e, como o pânico não saía de meu corpo, comecei a realmente imaginar que o dia seguinte seria o meu último. Deitei em minha cama, tal como o ajudante, e imaginei minha morte. E me perguntei: “Se eu morrer amanhã será que terei arrependimentos? Se minhas últimas horas de vida estiverem cheias de arrependimentos, quais serão eles? Sou muito jovem para me arrepender de não ter ganho muito dinheiro ou me saído bem nos negócios,” pensei. “Não consigo me arrepender de não ter sido famoso ou de não ter ficado forte. Não sinto que vou me arrepender de ter sido muito arrogante, nervoso ou voraz.”
Com essa experiência, comecei a perder parte da minha intensa aversão ao medo de morrer. Antes eu sempre antecipava o medo do medo. O medo de sentir medo me fazia suar de tanta ansiedade. Com essa experiência, comecei a separar o medo da morte do morrer de verdade, o que tornou o medo menos assustador. Depois disso, consegui usar a meditação sobre a morte para investigar a impermanência. E também renovei minha inspiração para praticar o Dharma.
O afastamento do samsara pode se manifestar nas reações que consideramos normais como, por exemplo, ficar exasperado em uma longa fila, ou ficar chateado com a lavanderia, ou ter um ataque porque nosso computador quebrou ou ficar com raiva se nosso voo foi adiado. Se pudéssemos escolher, quem gostaria de se envolver em um comportamento reativo que manifesta a mente fixada e não é benéfico nem para os outros nem para nós? É claro que nossos hábitos são muito fortes e não mudam da noite para o dia. Mas, assim que nossa orientação mudar, assim que movermos nossa atenção da confusão para a clareza, as sementes do despertar começarão a dar frutos.
O livro Transformando confusão em clareza: Um guia para as práticas fundamentais do budismo tibetano traz instruções detalhadas e conselhos para aqueles que estão embarcando no Budismo tibetano. Veja mais em : lucidaletra.com.br
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1 Comentário
Gostei muito do texto Obrigada