Em um texto cheio de esperança, escrito para nós brasileiros, Ven. Tenzin Chogkyi fala de seus aprendizados desde a eleição de Donald Trump
No dia seguinte à eleição de Donald Trump, estava almoçando com três membros do Vajrapani Institute, um centro budista de retiros na Califórnia, onde eu morava na época. Estávamos em estado de choque, meus amigos e eu. E eles – um homem transgênero, um mexicano que se tornara cidadão americano e uma jovem mulher – me olhavam, buscando tranquilização, como pessoa mais velha e professora deles.
Os três estavam apavorados pelo fato de um homem que se vangloriou por assediar mulheres, chamou imigrantes mexicanos de violadores e assassinos, e manifestou fortes visões homofóbicas e transfóbicas tenha acabado de ser eleito presidente. Eu me sentia tão impotente que não havia absolutamente nada que pudesse fazer para tranquilizá-los. Se dissesse: “Não se preocupem, tudo vai ficar bem” não estaria dizendo a verdade, já que eu não tinha certeza alguma de que as coisas realmente fossem ficar bem.
Alguns dias mais tarde, estava em uma região rural da Califórnia, indo dar um curso em uma prisão. Durante o período de campanha eleitoral, sempre que atravessava aquela área via os adesivos e cartazes do TRUMP expostos ostensivamente, pois é uma zona muito conservadora do estado. Costumava parar em uma lanchonete para tomar um café e comer algo antes de seguir para a prisão. Ao sair do carro, com meu hábito budista marrom, senti medo, pela primeira vez desde minha ordenação há 15 anos. As manchetes tinham mostrado numerosos relatos de crimes de ódio contra imigrantes, muçulmanos, negros e homossexuais, desencadeados pela vitória presidencial de Donald Trump. E naquele momento, eu me perguntei se era seguro para mim ser uma monja budista, de cabeça raspada e hábito religioso, naquela pequena cidade.
Todas essas memórias vieram à superfície quando eu ouvi que Jair Bolsonaro tinha vencido as eleições presidenciais no Brasil. Eu senti que sabia exatamente o que meus amigos brasileiros estavam sentindo, e o caminho que se abria à frente deles como praticantes espirituais. Em praticamente cada aula que eu dei nos últimos dois anos, desde a eleição de Trump, as mesmas perguntas surgem: Como eu lido com a raiva que surge em mim diante do que está acontecendo? Como posso manter minha compaixão? Como reagir? Vale a pena resistir?
Como meus amigos brasileiros devem saber, o governo Trump participou de um dos atos mais terríveis em maio e junho deste ano (2018) – separando crianças de seus pais quando cruzavam a fronteira do México para os Estados Unidos, e trancando essas crianças em gaiolas, como animais. Participei de uma grande coligação interconfessional que organizou atos não violentos diretos em frente a um desses centros de detenção na fronteira.
O ato foi organizado por líderes religiosos e conduzido por clérigos de todas as tradições religiosas. Na noite que antecedeu nossa ida ao centro de detenção, tivemos uma reunião de orações numa igreja católica que estava nos hospedando. A primeira coisa que o organizador principal, que era um líder religioso cristão, nos disse, quando nos levantamos para orar, foi:
Ao longo da ação no dia seguinte, sempre que as pessoas começavam a ficar embravecidas e transtornadas, os líderes religiosos entoavam: “Com dignidade e amor, com dignidade e amor.”. Sustentamos ações fortes, invadindo o centro de detenção e nos arriscando a ser presos, porém com nossas mentes e corações cheios de amor, em vez de aversão, ódio e medo.
Uma das coisas mais bonitas em nossa luta, nesses últimos dois anos, foi ver pessoas de qualquer idade, raça, religião, origem étnica, preferência sexual e identidade de gênero irmanadas para resistir. Na unidade nos tornamos fortes e realmente acredito que triunfaremos. Penso no grande princípio de Mahatma Gandhi de satyagraha, o poder da verdade, e acredito que temos a verdade e a justiça ao nosso lado. As forças da supremacia do patriarcado branco, da homofobia e da misoginia não podem vencer porque são injustas. Pode ser que seja uma luta longa, e não será fácil, mas não podemos perder a esperança. Meu herói, Brian Stevenson, um advogado de direitos civis e fundador da Equal Justice Initiative, diz:
Temos de proteger nossa esperança. A injustiça vence quando a desesperança persiste. A desesperança é inimiga da justiça. Esperança é o que faz você se levantar quando os outros dizem “Sente-se”. Esperança é o que faz você falar quando os outros dizem “Fique quieto”, e é importante protegermos nossa esperança.
Os crimes de ódio continuam. No fim de semana antes de eu escrever este meu texto, um atirador identificado como supremacista branco matou 11 congregantes judeus na sinagoga “Tree of Life” na Filadélfia. Valarie Kaur é advogada sique de direitos humanos e ativista, e fundadora de uma organização chamada “Revolutionary Love”. Ela escreveu uma carta para o atirador dizendo:
A todos que querem nos quebrar com seu ódio: Vocês pensam que podem nos atemorizar. Nós não ficaremos assustados. Pensam que podem nos intimidar e nos forçar ao silêncio. Nós não nos silenciaremos. Pensam que podem fazer com que nós os odiemos. Recusamo-nos a odiá-los, porque recusamo-nos a ser como vocês. Não importa o que façam, continuaremos a perseverar no amor.
Ela gravou uma forte mensagem em um vídeo de um minuto que pode ser visto neste link.
Então, meus irmãos e irmãs brasileiros, sei que seus corações estão doendo agora, e que se sentem desanimados e assustados com o que acaba de ocorrer. Senti exatamente a mesma coisa há dois anos atrás. Agora eu me sinto cheia de determinação e amor destemido. Ao permanecermos juntos e fortes, podemos lutar contra essas forças com amor revolucionário.
Ven. Tenzin Chogkyi é uma monja americana da linhagem Gelukpa, ativista e professora tanto do budismo quanto de temas seculares. Em 1991, graças ao seu interesse pelo budismo, foi para a Índia onde tornou-se aluna de Sua Santidade o Dalai Lama, Kirti Tsenshab Rinpoche e Lama Zopa Rinpoche, tendo morado no Tushita Meditation Center (Dharamshala) e Kopan Monastery (Katmandu).
De volta aos EUA, Ven. Tenzin trabalhou em diversos cargos da FPMT (Fundação para a Preservação da Tradição Mahayana) e realizou dois retiros de meditação tradicionais de três anos.
Foi ordenada em 2004 e, desde 2006, leciona regularmente o budismo em centros da FPMT por todo o mundo. Ela também atua como professora residente do Vajrapani Institute e professora visitante do Liberation Prison Project, além de comprometida com o resgate de animais.
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