“Quando você senta na natureza, você aprende coisas”. Cacique José Cirilo nos convidando a trazer a sabedoria da natureza para as nossas redes
O terceiro dia do 108 Horas de Paz 2018-19 trouxe o tema “Natureza em Rede”. Educadores agrícolas e ambientais, produtores em agricultura sustentável e orgânica, lideranças indígenas e ativistas se reuniram para compartilhar visões profundas sobre a interdependência nas redes vivas e buscaram articular ações amplas e conjuntas para os próximos anos.
A conversa pela manhã começou com o Professor Francisco Milanez, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente (AGAPAN). Com uma fala muito tocante, comentou que nossas crenças são as maiores prisões e, se formos capazes de ser um pouco menos arrogantes, conseguiremos criar um espaço para ouvir o outro e dialogar. Além disso, afirmou que, para enfrentarmos o mundo e a situação no Brasil, precisamos construir redes e formas interativas de educarmos uns aos outros com nossas experiências para construir um caminho que sonhamos juntos.
Depois, João Rockett, Presidente do Instituto de Permacultura e Ecovilas da Pampa (IPEP) trouxe a sua experiência de leitura de paisagens e a abertura do não saber. Alertou para o nosso distanciamento da vida, o isolamento do ambiente natural e o fato de vermos a natureza apenas como um recurso, não aproveitando todo o conhecimento que ela tem a nos oferecer.
Segundo ele, “o planeta fala conosco. Se eu sou um cálice cheio, como tem sido a ciência, de que forma eu posso receber as informações do ambiente? Se já estou pleno de sabedoria, como posso perceber isso? Então, o que geralmente buscamos fazer é saber: como eu me esvazio? Como eu trabalho a humildade de não saber para tentar resolver o que se apresenta?”
Thati Cavaçana, também integrante do IPEP, começou sua fala trazendo a importância das conexões e das redes, destacando que a força da rede está em cada um ser autêntico.
Ela nos convidou, ainda, a usar a contemplação e a sabedoria da natureza como forma de fazermos uma conexão interna, estabelecer elos e criar uma rede de vida produtiva e colaborativa. E nos provocou a olhar em que tipo de conexões ou desconexões temos gastado nossas energias.
Na sequência, Isabel Cristina Dalenogare, do Assentamento Filhos de Sepé/ MST, que fica na região metropolitana de Porto Alegre, compartilhou o desenvolvimento de uma rede de cuidado e amor com a natureza e os agricultores. Contou como tem sido o trabalho de cura das famílias do assentamento através do alimento e da agricultura orgânica em um relato muito comovente, do qual compartilhamos um trecho aqui:
“Nós, então, começamos um processo para a nossa cura, para a cura do nossos solos e a cura de quem iria receber aquilo dali adiante. As hortas que têm esse entendimento de que não é apenas um produto que você leva para feira, levam um alimento que tem um verde mais bonito, um verde mais aberto.
Começamos esse processo para famílias que usavam veneno e abandonaram isso, passaram a produzir uma horta. Famílias que estavam morrendo pelo uso desses venenos, famílias que hoje têm em sua renda as feiras e hortas, mas elas ganharam muito mais que isso. Ganharam vida, saúde, e essa nova chance para melhorar o nosso espaço.
As feiras para nós é um processo de parceria e confiança. É um processo de amor. Quando a gente diz que a cura do mundo é o amor, é nesse processo que estamos. Nós levamos um alimento que tem toda a nossa energia para o amor. E as famílias que recebem o alimento também recebem esse amor.”
Em seguida, Cacique José Cirilo, da tribo Tekoa Anhetenguá (Guarani) falou um pouco sobre a cultura guarani, suas crenças e espiritualidade. Salientou que precisamos saber como lidar com a natureza, que oferece vida para nós, e é por isso que os guaranis respeitam muito a natureza e a cultuam com o canto e a dança.
Por fim, Lama Padma Samten instigou os convidados a pensarem em como agir, a encontrar os pontos em que estamos indo bem e a pensar como poderia ser melhor. Reforçou que precisamos nos conectar com redes amplas – onde redes se conectam a outras redes – e, mais do que em sustentabilidade, precisamos pensar em dignidade.
Ele motivou os participantes da mesa a organizarem um evento de proteção ambiental prática, em paralelo à Expointer (feira agropecuária realizada na cidade de Esteio, no Rio Grande do Sul). E compartilhou um sonho coletivo, que é ver o Rio Grande do Sul livre de agrotóxicos e livre dos combustíveis fósseis, e reafirmou que nossa agenda permanente é olhar para o que está indo bem e pensar como fazer melhor.
Na parte da tarde, houve mais uma mesa de diálogos sobre o tema “Natureza em Rede”. A fala começou com Mateus Mello, representante da Emater/RS. Além de compartilhar um pouco do trabalho de controle que tem sido feito com agricultores pela EcoFerrabraz, pontuou que o resultado do trabalho na área de agroecologia e agricultura orgânica é a qualidade de vida, é a rede que se forma de cuidado e relações humanas que se amplia.
Alberto Bragagiolli (Rede EcoViamão) relatou a experiência da instituição com agroecologia e produção orgânica, ressaltando a importância política do alimento (conforme já levantado pela Isabel Dalenogare na parte da manhã) e a importância de incentivar cadeias públicas de alimento.
Na mesa estiveram presentes diversas lideranças indígenas, que trouxeram a perspectiva dos povos da terra sobre redes e natureza . O Cacique Jaime (Jataity/ Guarani) fez uma bonita fala sobre a importância do conhecimento que vem da natureza, contando que a língua e a sabedoria do povo Guarani é uma semente da terra, por isso a importância de preservá-la.
Cacica Julia (Tekoa Nhundy/ Guarani) comentou sobre a importância da ancestralidade, do conhecimento que é passado dos pais para os filhos, e sobre a relevância da rede que se constitui na família para vivermos bem. O líder indígena André Benites (Tekoa Ka’Aguy Porã/ Guarani) reforçou a necessidade de respeito e tolerância entre os povos para que que seja possível vivermos em rede, e a importância de preservarmos e tentarmos recuperar a natureza, que é onde eles vivem, em comunhão, em rede.
Marcelo “Tatu Mirim”, do Mova-C (Movimento Construindo Consciente), que tem apoiado a construção de uma escola autônoma em território de retomada Mbya Guarani, localizado no município de Maquiné, também fez uma fala muito comovente, comentando a experiência do Mova-C como uma rede de transformações coletivas no caminho de uma construção para um bem viver. Em suas palavras, “Existe uma possibilidade de vivermos juntos, em natureza, em equilíbrio. Mais do que reivindicar aquilo que gostaríamos que acontecesse, nós buscamos construir, semear, manejar.”
Na sequência, Marcelo Biasusi (extensionista/Emater Porto Alegre) comentou um pouco do trabalho de redes dentro da Emater, que possui uma proposta agroecológica, de qualidade de vida e de inclusão de muitos diferentes grupos (agricultores, quilombolas, assentamentos do MST e comunidades em geral). A mesa ainda contou com a presença de Jorge Henrique da Costa, representando a Escola Técnica de Agricultura de Viamão (ETA) e Regina Helena Abreu (Escola Canadá), que trouxeram as experiências de rede dessas escolas focadas na prática agrícola e a importância desses movimentos para as comunidades e o meio ambiente.
Em relação às atividades paralelas, durante o dia, no 108 Horinhas, Letícia Paccielo ofereceu uma atividade de pinturas externas e Gisela Sartori, uma de jogos cooperativos. Ao final do dia, João Rockett e Francisco Milanez conduziram dois laboratórios de ideias e o coletivo de mulheres de cultura popular Toque de Comadre colocou todo mundo para brincar e dançar durante a noite (clique para visualizar as fotos em tamanho maior).
29/12 | Manhã |
29/12 | Tarde |
Acompanhe o registro fotográfico colaborativo do 108 Horas de Paz 2018-19: Ações em Rede – CEBB/ICM que está sendo feito no Facebook do CEBB! Acesse aqui.
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