Pintura: Tiffani Gyatso, Foto: Ilka Filippini

O nascimento do Buda

Como o Buda veio ao mundo? Este trecho do Budadarma nos fala das aspirações, dos sonhos e da celebração do nascimento do Buda como príncipe Sidarta


Por
Edição: Ormando M.N.
Tradução: Marcelo Nicolodi

No início do século XX, eruditos japoneses fizeram uma compilação dos 84 mil ensinamentos concedidos pelo Buda, extraídos diretamente do páli, chinês e sânscrito. A compilação está publicada no Budadarma — O Caminho para a Iluminação, que introduz desde o início da vida de Sidarta Gautama, depois Buda Sakyamuni, e toda sua trajetória ao longo de 44 anos.

No trecho publicado abaixo, você irá encontrar a descrição do nascimento do Buda neste mundo – começando em sua aspiração como o asceta Sumedha em uma vida anterior até seu nascimento como príncipe Sidarta. Confira abaixo o trecho, que corresponde ao capítulo 1 do livro 1, da obra Budadarma:


1. Uma Encarnação Anterior do Honrado pelo Mundo

Num passado muito distante, o asceta Sumedha lamentava que as pessoas estavam destinadas a vidas sem fim de sofrimento neste mundo. Para liberar-se deste destino, Sumedha realizou ações humanitárias livres do egoísmo. Suportando pacientemente as dificuldades, ele praticou o caminho com devoção unifocada.

Naquela época o Buda Dipankara se manifestou neste mundo. Ele expôs o Darma, apontou o caminho e trabalhou para salvar as pessoas. Certa vez, soube-se que este Buda visitaria a vila de Rammaka. O povo da vila se reuniu, decorou os beirais de suas casas, e consertou as estradas colocando areia nas poças cheias de água. Nesse momento, Sumedha se juntou ao povo desta vila, observando suas atividades, e disse:

“Mesmo ouvir o nome de um buda é difícil; que boa fortuna ter um buda manifestando-se diante de nossos olhos aqui e agora!” 

Tomado pela alegria e bastante motivado, Sumedha se juntou a eles e lançou-se à tarefa de consertar as estradas. Mas, antes de eles terminarem os reparos, o Buda, acompanhado por um grande número de discípulos, chegou à vila. Sumedha achou que esse era o momento para fazer uma oferenda ao Buda. Ele soltou seus cabelos, deitou-se no chão lamacento, e disse:

“Honrado pelo Mundo, para minha felicidade e benefício eterno, por favor não pise na lama, mas caminhe com seus discípulos por cima de minhas costas.”

Após dirigir-se ao Buda com estas palavras, Sumedha fez o voto:

“Assim como o Buda Dipankara, eu também faço o voto de eliminar todos os meus obscurecimentos; após alcançar a iluminação, irei salvar todos os seres do oceano da delusão.”

O Buda estava próximo à cabeça prostrada de Sumedha, olhou para ele, percebendo o voto na mente de Sumedha, e disse:

“Sumedha, num futuro distante você irá, sem dúvidas, tornar-se o Buda Shakyamuni.”

Dipankara louvou a aspiração de Sumedha, e então partiu.

2. O Nascimento do Buda

Daquele momento em diante, Sumedha praticou gradualmente o caminho dos budas, e logo ele foi elevado à condição que conduz ao estado búdico. Ele renasceu no céu de Tushita e tornou-se um bodisatva.

No céu de Tushita (Templo do CEBB Caminho do Meio – Viamão-RS) – Pintura: Tiffani Gyatso, Foto: Ilka Filippini

O bodisatva residia em uma terra com árvores asoka e flores de lótus e mandarava desabrochando, onde papagaios, pavões e kalavinkas entoavam suas canções. Circundado por música oferecida por donzelas celestiais, ele subiu no Trono do Leão na Grande Sala do Verdadeiro Darma, e para o benefício de uma hoste de seres divinos, ele expôs o ensinamento.

Certo dia, em uma reunião, a música dos seres divinos produziu naturalmente uma canção:

“Ó Arhat, éons atrás, sob o Buda Dipankara, você alcançou a iluminação dos budas. 

Você completou as práticas e está tomado pela sabedoria. 

Ó Arhat, nos lugares onde as pessoas têm estado sedentas por água há um longo tempo, rapidamente desça ao mundo e dê-lhes água. 

Onde o fogo dos obscurecimentos queima furiosamente, emane uma nuvem de compaixão que faça com que a chuva do Darma caia.

Destrua os estratagemas dos demônios e seus ensinamentos falsos, revele o caminho dos bodisatvas e salve as pessoas do mundo.”

 O bodisatva ouviu esta canção, e, percebendo que deveria realizar uma grande missão, fez o voto de descer ao mundo dos homens. A hoste de seres divinos elevou as suas vozes em regozijo e gritou:

“Agora o Buda surgirá no mundo dos humanos.”

O bodisatva analisou numerosos mundos humanos, e desejando nascer em um lar pertencente a um clã nobre, ele escolheu a família Gotama, do clã Sakya.

O rei do clã Sakya, o rei Suddhodana, realizava constantemente ações virtuosas e governava seu povo de forma magnânima. Sua consorte, a rainha Maya, possuía uma bela aparência e seu coração era puro. Era hábil em diversas artes e possuía todos os méritos necessários para se tornar a mãe de um buda.

Então, o bodisatva expôs os ensinamentos para o benefício da hoste de seres divinos:

“Todos vocês, primeiramente fortaleçam sua fé, venerem os ensinamentos, sustentem o Buda, o Darma e a Sanga em suas mentes, e sigam o caminho dos sábios.

Sabendo que o mundo é impermanente e cheio de sofrimentos, repousem na mente livre de identidades.

Com a mente pacífica, não gerem pensamentos de cobiça.

Incessantemente absortos em meditação, atinjam a sabedoria;

através dos meios hábeis, guiem aquelas pessoas que estão encobertas pela escuridão da ignorância. 

Até mesmo os maravilhosos ornamentos do mundo celestial caem nas terras do sofrimento quando a boa fortuna que os produziu se exaure.

Mesmo a cobiça é pateticamente volátil.

Tudo é tão vazio quanto um sonho.

A cobiça não será nunca saciada; é como estar morrendo de sede, e então beber água salgada.

Portanto, movendo-se com urgência, alcancem o êxtase do não-criado.

Se vocês atingirem a sabedoria transcendente alcançarão a satisfação.

Estudem os princípios das coisas, não se apeguem às palavras.

Ajam de acordo com suas palavras, e falem de acordo com suas ações. 

Sempre estejam conscientes de suas próprias negatividades, e não fiquem olhando para as falhas dos outros.

Sem realizar suas próprias ações, vocês não receberão os frutos das ações realizadas pelos outros.”

O bodisatva instruiu a hoste de seres divinos com estas palavras.

Quando ele estava pronto para descer do reino celestial, incontáveis seres divinos daquele mundo se reuniram no palácio do céu de Tushita, e fizeram oferendas de música ao bodisatva. Naquele momento, do corpo do bodisatva irradiou luz, que brilhou nos grandiosos três mil mundos, e dissipou a escuridão. Os céus e a terra tremeram, e a luz do sol e da lua perderam seu poder. O povo foi preenchido por alegria, e se tornaram tão amorosos uns com os outros como se fossem pais e filhos. Os seres celestiais cantaram:

“Por um tempo incomensurável ele dilacerou sua carne e pulverizou seus ossos.

Como recompensa para sua prática completa, o bodisatva atinge um corpo que não pode ser movido.

Recebendo o elmo da compaixão ele dissipa o mal perpetrado pelas negatividades. 

Possuindo compaixão por todos os seres, o bodisatva agora se manifesta no mundo. 

Brilhando com a luz da sabedoria, ele desperta todos aqueles que estão adormecidos. 

Como um grande rei dos grandiosos mil mundos, ele surge no mundo como o sol.”

Nesse momento o bodisatva assumiu a forma de um enorme elefante branco com seis presas e desceu do céu de Tushita. Ele passou sob o braço direito da rainha Maya e entrou em seu útero, enquanto ela dormia pacificamente. O palácio foi preenchido por alegria e paz. Nuvens auspiciosas moviam-se pelo céu e envolveram os telhados das imponentes torres.

O elefante branco descendo do céu de Tushita e a Rainha Maya (Templo do CEBB Caminho do Meio – Viamão-RS) – Pintura: Tiffani Gyatso, Foto: Ilka Filippini

Certo dia, no último mês de sua gravidez, a rainha decidiu passar um dia de primavera no jardim florido. Tendo recebido a permissão do rei e acompanhada por um séquito de damas de companhia, ela foi levada até o bosque de Lumbini. As árvores estavam cobertas por belas flores que emanavam fragrâncias agradáveis; o gramado de um verde profundo era como as penas da cauda de um pavão, e dançava como fina e macia seda tocada pelo vento. A rainha se pôs a passear prazerosamente; ela se apoiou em um galho de uma árvore asoka que se inclinava devido ao peso das flores. Naquele instante o bodisatva nasceu, repentinamente, porém tranquilamente. Imediatamente após o nascimento, ele deu sete passos em cada uma das quatro direções e declarou:

“No céu acima e na terra abaixo, eu sou o mais honrado.

Irei dissipar o sofrimento que envolve o mundo.”

Sob cada passo do bodisatva nasciam flores de lótus (Templo do CEBB Caminho do Meio – Viamão-RS) – Pintura: Tiffani Gyatso, Foto: Ilka Filippini

Os seres divinos que residem no espaço louvaram as virtudes da mãe, a rainha Maya. O rei Naga fez chover água fria e morna para banhar o corpo do bodisatva. A grande terra tremeu e se agitou com alegria. Logo depois, a criança foi recebida pela rainha, e como tudo havia acontecido sem dificuldades ele foi chamado de Siddhattha (Aquele que Alcança Suas Metas). Sete dias após seu nascimento, sua mãe, a rainha Maya, partiu deste mundo e renasceu no céu de Tavatimsa, e sua irmã mais jovem Mahaprajapati assumiu o papel de uma amorosa madrasta para o príncipe.

Naquela época o sábio Asita, que vivia nas montanhas próximas à cidade de Kapilavatthu, estava alarmado com os sinais auspiciosos que acompanharam o nascimento do príncipe. Ele visitou o palácio real, levando consigo o seu sobrinho, uma criança de nome Narada. Asita embalou o príncipe com reverência e olhou para ele por um longo tempo, mas logo, soluçando com lágrimas de tristeza, ele disse:

“Ó rei, se esta criança permanecer em casa irá se tornar um monarca universal e trará paz para os quatro mundos. Mas ele, sem dúvidas, deixará o lar em busca do caminho e se tornará um buda. Eu sou um homem velho e não ouvirei os ensinamentos deste buda; ao compreender isto, derramei estas lágrimas de pesar.”

O rei Suddhodana ouviu essas palavras e se regozijou, fazendo diferentes tipos de oferendas ao sábio e a Narada.


Trecho publicado originalmente em “Budadarma – O Caminho para a Iluminação”, tradução de Marcelo Nicolodi, segunda edição revisada, pág. 30-35.


Sobre o Budadarma*

Budadarma é uma tradução do texto japonês Shinyaku Bukkyo Seiten, que consiste em versões simplificadas ou resumidas (não são traduções exatas) de escrituras budistas selecionadas do Taishō Shinshū Daizōkyō, a edição em língua chinesa do Tripitaka.

A primeira edição do Shinyaku Bukkyo Seiten (A Nova Tradução das Escrituras Budistas), em forma condensada, foi publicada em 1925, tendo sido editada pelo Rev. Muan Kizu, representante da Bukkyo Kyokai (Associação Budista) de Nagoya, Japão.

A Sociedade para a Promoção do Budismo (Bukkyo Dendo Kyokai) do Japão e o Centro Numata para Traduções e Pesquisas Budistas, estabelecido de forma independente em Berkeley, Califórnia, estão envolvidos na tarefa formidável de traduzir e publicar o Taisho Daizokyo completo em inglês.

Visto que esse trabalho pode levar cerca de cem anos ou mais para ser finalizado, foi decidido que uma tradução para o inglês da edição revisada em 1976 do Shinyaku Bukkyo Seiten seria uma forma rápida e desejável de oferecer aos leitores da língua inglesa uma coleção condensada das escrituras budistas. Assim, a primeira edição do Budadarma foi publicada em 1984.

Tradução para inglês por: Sociedade para a Promoção do Budismo (Bukkyo Dendo Kyokai) do Japão e Centro Numata para Traduções e Pesquisas Budistas

Tradução para japonês editada por: Rev. Muan Kizu, representante da Bukkyo Kyokai (Associação Budista) de Nagoya, Japão.

* Informações contidas no próprio livro. 


Leia outros trechos do livro “Budadarma”:


As pinturas exibidas ficam no templo do CEBB Caminho do Meio, em Viamão(RS), cuja pintura foi coordenada por Tiffani Gyatso, artista brasileira especializada em Thangkas – icones do budismo tibetano, pelo Instituto Norbulingka, India. Para ler textos sobre arte e budismo escritos por ela, acesse aqui → 

Conheça outras pinturas do templo do CEBB Caminho do Meio aqui → 


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